"Crepúsculo é apelativo e vende sexo"
"Christina Aguilera é uma vadiazinha e Not Myself Tonight foi muito apelativo"
"Kerli tá toda sexualizada nesse novo videoclipe, igualzinho às outras vadiazinhas do pop, apelou geral"
"Madonna apelou muito nesse Girl Gone Wild com esse bando de gays se esfregando"
"Esse povo do pop apela muito pra sexo"
"Essas meninas coreanas apelam muito pra fofura, é ridículo"
"Pra quê essa coreografia toda? Não precisa disso tudo, é apelativo"
"É muito apelativo esse bullying todo em cima de Harry Potter quando criança."
"Tim Burton só curte fazer filmes bem sombrios. É muita apelação pro lado mórbido"
Eu desafio vocês a me explicarem porque as cinco primeiras sentenças são repetidas à exaustão, coisa que não acontece com as quatro últimas sentenças.
Ninguém diz que um videoclipe fofo como Shy Boy é apelativo - mesmo que ele seja excessivamente fofo, a níveis alarmantes.
Ninguém diz que um filme todo bem trabalhado cheio de efeitos especiais é apelativo - mesmo que os efeitos sejam até desnecessários às vezes, como no caso de Suck Punch.
Ninguém diz que um livro como Harry Potter é apelativo por conta dos dramas envolventes - mesmo que a coisa de "um pobre garoto de onze anos que é maltratado pelos seus tios e então descobre que é bruxo" não seja novidade alguma para literatura.
Ninguém diz que Tim Burton apela quando ele faz O Estranho Mundo de Jack ou Edward Mãos-de-Tesoura usando os mesmos cenários, mesma paleta de cores, mesmos personagens - todos oriundos do reino das trevas.
Mas galera adora afirmar que x vídeo, x filme, x livro é apelativo porque tem sexo.
Porque, oh-meu-paizinho-do-céu, a cantora tá se agarrando com um cara peladinhos-da-silva.
Porque, pior que tudo, caras estão se agarrando.

E esse é o ponto desse texto. Porque sexo é considerado apelativo, polêmico, fora dos limites aceitáveis e as outras coisas não são. É curioso estar no nosso mundinho ocidental século XXI e ver em que ponto estamos. Era para estarmos livres de qualquer amarra estúpida, mas nego continua batendo o pé e querendo fazer do sexo uma aberração. E então temos, dentro da música, estúpidas pessoas que fazem questão de valorizar mais uma cantora se ela não fala, não menciona e nem demonstra ser alguém que faz sexo. Tive essa percepção ao ver o novo vídeo de Kerli e, em seguida, a reação dos fãs. Kerli é uma cantora estoniana que sempre trabalhou na linha dark, obscura, preto e branco, amor está morto e todas essas coisas. Quem conhece o gênero sabe do que tô falando. Ela era mais lolita, saias rodadas, sem muita sexualização. No novo videoclipe, ela está mais banhada na luz, com nuvens celestiais ao redor, e ela insinua sexo com dois seres denominados silfos. Ela chega a beijar um deles, e a cinta-liga (bege. B E G E pra ficar na paleta de cores claras e felizes) é ajeitada por tais seres. É só isso.
Pra quem é fã de Madonna e aprecia ela com 53 anos se agarrando com um bando de caras, é nada demais.
Mas para os fãs de Kerli que se acostumaram com a persona sou-depressiva-e-vou-cantar-músicas-tristes e que vivem em um gênero de músicas com cantoras de tipo parecido, é um choque.
É como se Kerli se equiparasse a (oh-meu-deus) Britney Spears (vadiazinha-mor do pop, afirmam) ou Christina Aguilera (putinha de esquina) ou Madonna (rainha das putas). Porque (oh-minha-nossa-senhora-da-bahia) Kerli demonstrou que pensa, que faz e que gosta de sexo. Em uns seguindos de vídeoclipe.

Isso seria muito engraçado, se não fosse um dos sintomas bem pequenininhos de algo que faz com que a humanidade seja doente há séculos, se não milênios.
As pessoas se incomodam com insinuaçãoes de sexo em videoclipes, filmes, livros porque elas sentem que aquilo é errado, promíscuo e que deveria ficar escondido. Mais ainda: se incomodam com mulheres fazendo sexo. E isso é um grande problema, porque se as pessoas reclamam disso com artistas que são considerados livres para pintar seus cabelos de cores berrantes, usarem roupas extravagantes ou fazerem trabalhos esquisitos que ninguém entende, imagina então com pessoas comuns, no dia a dia. Elas se sentem no direito de apontarem para uma pessoa e a qualificarem de acordo com sua conduta sexual. Elas se sentem no direito de discriminarem as cantoras de quaisquer gênero de acordo com o teor de "apelação" que elas possuem que, no caso, é só pela sexualidade. Se a cantora demonstra não falar/não fazer/não pensar em sexo, passa. Se não, é "apelativa". Christina é apelativa. Rihanna é apelativa. Katy é apelativa. Britney é apelativa. Nicki é apelativa. Madonna é apelativa.
E foda-se se elas tem mais do que sexo. Fodam-se se com as cintas-ligas, canções sussurradas e sutiãs, elas falem de violência, amor, amizade e tantos outros temas. Elas são consideradas apelativas porque se servem do sexo para divulgarem seus trabalhos.
Sexo não deveria ser tratado assim. Ele não deveria ser tratado como algo pecaminoso e sujo. Ele é algo que porcos, golfinhos, coelhos fazem o tempo todo. Meu hamster faria sexo se ele tivesse um par com quem fazer (forever alone). Nós só existimos porque nossos pais transaram. É problemático nós considerarmos que sexo é algo que deve ser reprimido e guardado em segredo. É ainda mais problemático quando fazemos uma clara distinção por gêneros: tudo bem um homem fazer músicas que insinuem sexo e movimentos pélvicos e tudo o mais, mas se uma mulher faz a mesma coisa, ela é considerada apelativa, polêmica, sexual e, de repente, seu trabalho se resume nisso. Ninguém fala nada sobre os cantores do pop serem sexuais ou não. Isso não faz diferença.
Mas quando uma cantora faz um videoclipe se insinuando, já temos na cabeça que ela está polemizando e vendendo sexo. Como se tivessémos o direito de fazer isso.
É evidente que a sexualidade feminina incomoda. Incomoda também a sexualidade de gays - como se fossem aberrações. E isso me incomoda, porque faz com que essas cantoras enfrentem uma resistência na hora de divulgarem suas artes que não deveria acontecer. É bizarro que elas tenham que ficar o tempo todo na linha do "sexy" e "vulgar" como se essa linha realmente existisse. Como se não fosse apenas uma estúpida tática de controle para restringir a sexualidade de milhares de mulheres todos os dias. Porque é isso que todas essas revistas ensinam: "oi seja desejável, mas não demais". Use uma saia um pouco mais curta, mas não fale de sexo oral e todas essas coisas. Deixe ele imaginar, não demonstre que goste. E por conta de toda essa restrição, milhares de mulheres não sabem o que é ter prazer. Não sabem sequer que é permitido sentir prazer no sexo, porque se habituaram a pensar nele como algo sujo e promíscuo. Eu diria a mesma coisa com os homossexuais: as pessoas consideram que falar deles e mostrar eles se beijando e transando em diversas obras audiovisuais é apelação, é um polemizar sem fim. É algo que "a sociedade não está preparada". Bem, se ela não está preparada, foda-se. Não deveríamos ficar esperando a sociedade "estar preparada" para dar aos homossexuais algo que é de direito deles: ser gente. E ser gente significa existir, respirar, transar por aí, porque não. Já basta novelas da Globo fingindo que gays não tem vida sexual. Incomoda.
Incomoda muito à essas pessoas que alguém fora da classe homem-hetero tenha vida sexual. Incomoda porque é algo que foi refreado por séculos, desacreditado por supostos especialistas, reprimido à exaustão. Sexo sempre foi considerado, na nossa sociedade cristã e ocidental, algo bestial que deveria ser feito somente para a procriação. E isso está errado.

Sexo é normal. É algo que deve ser encarado com tranquilidade, naturalidade e beleza. Porque é belo que duas (ou mais) pessoas possam se conectar tão profundamente e tão intimamente por algumas horas. E assim como amor, ódio, morte, vida e tantos outros aspectos da vida, ele deve ser retratado em filmes, livros e videoclipes de forma livre e espontânea, sem amarras. Não deveríamos olhar para um videoclipe cheio de sexo e classificá-lo como "apelativo" só porque ele é cheio de sexo - não se a gente não faz a mesma coisa com outros atributos de outros vídeos. Nós deveríamos era parar e pensar no porquê de um vídeo com vários casais transando incomodar tanto.
E então você perceberia que o problema não está no vídeo nem na cantora nem nos diretores.
O problema está na sociedade inteira.

desenho feito pela dona do tumblr saraisazombie
créditos (aka tumblrs de onde roubei) das imagens:
fasella
kerliland
madonnax
"Christina Aguilera é uma vadiazinha e Not Myself Tonight foi muito apelativo"
"Kerli tá toda sexualizada nesse novo videoclipe, igualzinho às outras vadiazinhas do pop, apelou geral"
"Madonna apelou muito nesse Girl Gone Wild com esse bando de gays se esfregando"
"Esse povo do pop apela muito pra sexo"
"Essas meninas coreanas apelam muito pra fofura, é ridículo"
"Pra quê essa coreografia toda? Não precisa disso tudo, é apelativo"
"É muito apelativo esse bullying todo em cima de Harry Potter quando criança."
"Tim Burton só curte fazer filmes bem sombrios. É muita apelação pro lado mórbido"
Eu desafio vocês a me explicarem porque as cinco primeiras sentenças são repetidas à exaustão, coisa que não acontece com as quatro últimas sentenças.
Ninguém diz que um videoclipe fofo como Shy Boy é apelativo - mesmo que ele seja excessivamente fofo, a níveis alarmantes.
Ninguém diz que um filme todo bem trabalhado cheio de efeitos especiais é apelativo - mesmo que os efeitos sejam até desnecessários às vezes, como no caso de Suck Punch.
Ninguém diz que um livro como Harry Potter é apelativo por conta dos dramas envolventes - mesmo que a coisa de "um pobre garoto de onze anos que é maltratado pelos seus tios e então descobre que é bruxo" não seja novidade alguma para literatura.
Ninguém diz que Tim Burton apela quando ele faz O Estranho Mundo de Jack ou Edward Mãos-de-Tesoura usando os mesmos cenários, mesma paleta de cores, mesmos personagens - todos oriundos do reino das trevas.
Mas galera adora afirmar que x vídeo, x filme, x livro é apelativo porque tem sexo.
Porque, oh-meu-paizinho-do-céu, a cantora tá se agarrando com um cara peladinhos-da-silva.
Porque, pior que tudo, caras estão se agarrando.

E esse é o ponto desse texto. Porque sexo é considerado apelativo, polêmico, fora dos limites aceitáveis e as outras coisas não são. É curioso estar no nosso mundinho ocidental século XXI e ver em que ponto estamos. Era para estarmos livres de qualquer amarra estúpida, mas nego continua batendo o pé e querendo fazer do sexo uma aberração. E então temos, dentro da música, estúpidas pessoas que fazem questão de valorizar mais uma cantora se ela não fala, não menciona e nem demonstra ser alguém que faz sexo. Tive essa percepção ao ver o novo vídeo de Kerli e, em seguida, a reação dos fãs. Kerli é uma cantora estoniana que sempre trabalhou na linha dark, obscura, preto e branco, amor está morto e todas essas coisas. Quem conhece o gênero sabe do que tô falando. Ela era mais lolita, saias rodadas, sem muita sexualização. No novo videoclipe, ela está mais banhada na luz, com nuvens celestiais ao redor, e ela insinua sexo com dois seres denominados silfos. Ela chega a beijar um deles, e a cinta-liga (bege. B E G E pra ficar na paleta de cores claras e felizes) é ajeitada por tais seres. É só isso.
Pra quem é fã de Madonna e aprecia ela com 53 anos se agarrando com um bando de caras, é nada demais.
Mas para os fãs de Kerli que se acostumaram com a persona sou-depressiva-e-vou-cantar-músicas-tristes e que vivem em um gênero de músicas com cantoras de tipo parecido, é um choque.
É como se Kerli se equiparasse a (oh-meu-deus) Britney Spears (vadiazinha-mor do pop, afirmam) ou Christina Aguilera (putinha de esquina) ou Madonna (rainha das putas). Porque (oh-minha-nossa-senhora-da-bahia) Kerli demonstrou que pensa, que faz e que gosta de sexo. Em uns seguindos de vídeoclipe.

Isso seria muito engraçado, se não fosse um dos sintomas bem pequenininhos de algo que faz com que a humanidade seja doente há séculos, se não milênios.
As pessoas se incomodam com insinuaçãoes de sexo em videoclipes, filmes, livros porque elas sentem que aquilo é errado, promíscuo e que deveria ficar escondido. Mais ainda: se incomodam com mulheres fazendo sexo. E isso é um grande problema, porque se as pessoas reclamam disso com artistas que são considerados livres para pintar seus cabelos de cores berrantes, usarem roupas extravagantes ou fazerem trabalhos esquisitos que ninguém entende, imagina então com pessoas comuns, no dia a dia. Elas se sentem no direito de apontarem para uma pessoa e a qualificarem de acordo com sua conduta sexual. Elas se sentem no direito de discriminarem as cantoras de quaisquer gênero de acordo com o teor de "apelação" que elas possuem que, no caso, é só pela sexualidade. Se a cantora demonstra não falar/não fazer/não pensar em sexo, passa. Se não, é "apelativa". Christina é apelativa. Rihanna é apelativa. Katy é apelativa. Britney é apelativa. Nicki é apelativa. Madonna é apelativa.
E foda-se se elas tem mais do que sexo. Fodam-se se com as cintas-ligas, canções sussurradas e sutiãs, elas falem de violência, amor, amizade e tantos outros temas. Elas são consideradas apelativas porque se servem do sexo para divulgarem seus trabalhos.
Sexo não deveria ser tratado assim. Ele não deveria ser tratado como algo pecaminoso e sujo. Ele é algo que porcos, golfinhos, coelhos fazem o tempo todo. Meu hamster faria sexo se ele tivesse um par com quem fazer (forever alone). Nós só existimos porque nossos pais transaram. É problemático nós considerarmos que sexo é algo que deve ser reprimido e guardado em segredo. É ainda mais problemático quando fazemos uma clara distinção por gêneros: tudo bem um homem fazer músicas que insinuem sexo e movimentos pélvicos e tudo o mais, mas se uma mulher faz a mesma coisa, ela é considerada apelativa, polêmica, sexual e, de repente, seu trabalho se resume nisso. Ninguém fala nada sobre os cantores do pop serem sexuais ou não. Isso não faz diferença.
Mas quando uma cantora faz um videoclipe se insinuando, já temos na cabeça que ela está polemizando e vendendo sexo. Como se tivessémos o direito de fazer isso.
É evidente que a sexualidade feminina incomoda. Incomoda também a sexualidade de gays - como se fossem aberrações. E isso me incomoda, porque faz com que essas cantoras enfrentem uma resistência na hora de divulgarem suas artes que não deveria acontecer. É bizarro que elas tenham que ficar o tempo todo na linha do "sexy" e "vulgar" como se essa linha realmente existisse. Como se não fosse apenas uma estúpida tática de controle para restringir a sexualidade de milhares de mulheres todos os dias. Porque é isso que todas essas revistas ensinam: "oi seja desejável, mas não demais". Use uma saia um pouco mais curta, mas não fale de sexo oral e todas essas coisas. Deixe ele imaginar, não demonstre que goste. E por conta de toda essa restrição, milhares de mulheres não sabem o que é ter prazer. Não sabem sequer que é permitido sentir prazer no sexo, porque se habituaram a pensar nele como algo sujo e promíscuo. Eu diria a mesma coisa com os homossexuais: as pessoas consideram que falar deles e mostrar eles se beijando e transando em diversas obras audiovisuais é apelação, é um polemizar sem fim. É algo que "a sociedade não está preparada". Bem, se ela não está preparada, foda-se. Não deveríamos ficar esperando a sociedade "estar preparada" para dar aos homossexuais algo que é de direito deles: ser gente. E ser gente significa existir, respirar, transar por aí, porque não. Já basta novelas da Globo fingindo que gays não tem vida sexual. Incomoda.
Incomoda muito à essas pessoas que alguém fora da classe homem-hetero tenha vida sexual. Incomoda porque é algo que foi refreado por séculos, desacreditado por supostos especialistas, reprimido à exaustão. Sexo sempre foi considerado, na nossa sociedade cristã e ocidental, algo bestial que deveria ser feito somente para a procriação. E isso está errado.

Sexo é normal. É algo que deve ser encarado com tranquilidade, naturalidade e beleza. Porque é belo que duas (ou mais) pessoas possam se conectar tão profundamente e tão intimamente por algumas horas. E assim como amor, ódio, morte, vida e tantos outros aspectos da vida, ele deve ser retratado em filmes, livros e videoclipes de forma livre e espontânea, sem amarras. Não deveríamos olhar para um videoclipe cheio de sexo e classificá-lo como "apelativo" só porque ele é cheio de sexo - não se a gente não faz a mesma coisa com outros atributos de outros vídeos. Nós deveríamos era parar e pensar no porquê de um vídeo com vários casais transando incomodar tanto.
E então você perceberia que o problema não está no vídeo nem na cantora nem nos diretores.
O problema está na sociedade inteira.

créditos (aka tumblrs de onde roubei) das imagens:
fasella
kerliland
madonnax