quinta-feira, 8 de março de 2012

hoje as rosas sangram

Parem de mentir.

De que adianta 24 horas se essas 24 horas não ensinarão a vocês que não tinham que existir? Quando é que vocês, vocês que distribuem rosas e parabéns, vão entender que 8 de março era para passar em branco? Que 8 de março só existe porque, assim como as datas das outras minorias, precisamos ser lembradas uma vez por ano? E nem lembradas nós somos. Em 1917, operárias russas saíram dos seus postos de trabalho e foram às ruas para reinvindicar e exigir seus direitos: paz (Rússia estava em guerra), pão (Rússia passava fome), liberdade (Rússia tinha um governo tirano). Era 8 de março.

Dia 23 de março, mais de cem operárias morreram em um incêndio numa fábrica têxtil.

Vamos então para o nosso querido, conhecido e estimado show de horrores.

Dia 29 de fevereiro de 2012: o marido de Fabiana a mata com tiros. Guarulhos, São Paulo.
Dia 28 de fevereiro de 2012: um garoto de dez anos morre porque tentou proteger a mãe dele das agressões. Seu padrasto lhe desferiu uma facada no toráx. Crato, Pernambuco.
Dia 28 de fevereiro de 2012: Ana tinha 17 anos e não quis namorar um cara. Ele lhe matou. Com um facão. Maraú, Bahia.
Dia 27 de fevereiro de 2012: Adrielly morre aos 16 anos depois de passar 6 dias internada. Seu namorado a espancou usando chutes, socos e cadeiradas. Valadares, Minas Gerais.
Dia 26 de fevereiro de 2012: Marta foi estuprada e morta. 16 anos. Manaus, Amazonas.
Dia 22 de fevereiro de 2012: Ana reage a um homem que a assediou e disse que se ela não fosse dele, não seria de mais ninguém. Morre com um tiro no rosto. Nova Iguaçu, Baixada Fluminense.
Dia 22 de fevereiro de 2012: Edenilza tinha 27 anos quando seu companheiro a asfixiou com um travesseiro. Guaranhuns, Pernambuco.
Dia 20 de fevereiro de 2012: ela tinha 54 anos morreu de tanto ser espancada pelo marido. Campina Grande, Paraíba.
Dia 18 de fevereiro de 2012: 64 anos. Foi estuprada e morta dentro de casa. Contagem, Minas Gerais.
Dia 12 de fevereiro de 2012: Isabela e Michelle foram entregues como "presentes" para serem estupradas em uma festa de aniversário. Ao reagirem, foram assassinadas. Havia dez homens na festa e mais três mulheres estupradas. Queimadas, Paraíba.
Dia 05 de fevereiro de 2012: Andréia morre com 11 facadas do marido e a orelha arrancada pelo mesmo. São Cristovão, Sergipe.

Basta.

Não quero parabéns. Não quero rosas. Não quero esses estúpidos poemas de como somos amadas e respeitadas e admiradas por termos a ternura, a doçura, a firmeza. Não quero que me digam que eu sou bela e que consigo dar conta de tudo por usar salto alto. Eu só quero Fabiana viva. Eu quero Ana viva, Adrielly, Marta, a outra Ana, Edenilza, Isabela, Michelle, Andréia. Eu quero que todas essas tivessem vivido. Eu quero que Eloá nunca tivesse que passar pelo que passou. Eu quero Eliza Samudio viva. Eu quero que Renata, do BBB, nunca tivesse que sair do programa só porque ficou com três caras. Eu quero que as pessoas olhem para Monique e entendam que estupro também acontece com pessoas inconscientes. Eu quero tanta coisa que nem devia ser tanta coisa.

Eu quero é não sentir medo de ser estuprada a cada vez que ando na rua. Eu quero é não ter tido que ouvir "só há vagas para homens" quando liguei para o CIEE. E isso sou eu, que cresci em uma família que nunca fez distinção nas tarefas de casa de acordo com o gênero, eu que cresci ouvindo que as mulheres eram tão competentes quanto homens e que eu deveria era pensar em meu futuro, em estudar, em trabalhar. Eu nunca cresci ouvindo que minha função era casar e ter filhos, ao contrário. Minha mãe me ensinou que eu poderia ser qualquer coisa, eu só precisava desejar aquilo e me esforçar. E mesmo assim, nem eu protegida da educação machista, sou imune a essas coisas. Continuo sentindo os efeitos de uma sociedade inteira que acha que me homenagear todo dia 8 de março com uma estúpida rosa é fazer algo a meu respeito.

Dispenso.
Quando vocês pararem de zombar da Maria da Penha, quando vocês perceberem que todas essas mortes são apenas um dos sintomas de uma sociedade doente, quando vocês começarem a dispensar os poeminhas e pensarem em mulheres nos outros 364 dias, quem sabe, a situação mude. Quando souberem o que é feminismo, quando pararem de falar merda, quando começarem a ver mulher como gente (e não como objeto sexual / maria amélia do lar), quem sabe, as coisas mudem. Até lá, enfiem essas rosas onde o sol não bate. Não faço questão de presentes dados só pela data.

*fonte: Machismo Mata

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