terça-feira, 7 de setembro de 2010

O pop que me deu o caminho.

Olha, eu não sei como eu comecei a ser feminista.

Eu só sei que sou. Desde que me entendo por gente, eu sou. Era um comportamento natural, ao meu ver, de mulheres. Eu achava que todas as mulheres eram assim: por quê alguém seria contra a idéia que dava às mulheres o que era de direito delas? Eu entendia os homens: eles eram machistas e grosseiros, e cuspiam no chão. Era nojento, mas eu entendia que eles não queriam ver as mulheres se igualando a eles. Mas na minha cabecinha infantil, todas as mulheres eram feministas. Feministas não, que nem sabia o que significava a palavra. Mas a palavra na minha cabeça dizia a mesma coisa. Assim como todos os negros eram contra o racismo, todos os gays eram contra a homofobia, as mulheres seriam contra o machismo. Minha cabeça funcionava assim. E deveria ser assim, mas demorou muito tempo até eu entender que as mulheres são vítimas e agentes desse machismo e a mesma coisa acontece com negros e gays: a sociedade existe de tal forma que quem vai contra a corrente costuma se sentir muito culpado de ter um pensamento não-corrente.

Mas eu creio que um marco fatal no meu feminismo foi eu assistir um videoclipe. Não lembro quantos anos eu tinha, mas eu lembro que estava na sala e estava passando o canal de videoclipes da Multishow. Eu preferia Multishow porque os clipes passavam legendado (não sei se ainda passam), então eu entendia o que aqueles rappers e Madonna estavam cantando. Foi nessa época que comecei a amar Madonna (e peguei o dia que ela passou o clipe censurado de American Life, que eu amo). E foi quando eu assisti um clipe chamado Can't Hold Us Down. Eu nem sabia quem era Christina Aguilera. Quer dizer, até sabia porque ela tinha sido capa da Capricho, mas nunca tinha ouvido, falar, nada. Eu só sabia que ela era uma cantora que vestia roupas muito sensuais. O termo mais gentil para descrevê-la que as revistas usaram foi "vadia". E ela cantou naquele clipe e a mensagem ficou impregnada.

Sabe quando o mofo pega na roupa e não quer mais sair? Foi exatamente desse jeito.

Passou uma vez, nunca mais vi, deixei para lá. Durante esses anos, esqueci quem era a cantora e o nome da música. Não sabia nada, só que ele era com uma mulher de cabelo preto, boné, top e short que personificavam a indecência em roupa. E era rosa! Mas eu lembrava a letra.

"Então porque eu não deveria ter uma opinião
Eu deveria ficar calada só porque sou uma mulher"

Foram essas duas frases que mais me marcaram. Era só uma música. E embora eu já fosse feminista (mais ou menos, cegamente, sem ter consciência), foi com essa música que já passei a questionar um monte de coisas. Passei a questionar sobre a minha postura que embora acreditasse que mulheres tinham que ter direitos iguais, tal coisa não abrangia os direitos sexuais. Acreditava piamente que menina tinha que se dar ao respeito, que aborto só em estupro, porque a mulher tinha que aguentar as consequências do que fazia, que ninguém mandou ela abrir as pernas. Todos esses clichês de pessoas que tem horror ao feminismo, de pessoas que se dizem feministas, enfim eu acreditava que as mulheres tinham que ser consideradas iguais no trabalho, mas não podiam desonrar o movimento agindo como "vagabundas". E esse clipe, com Christina Aguilera trajada indecentemente, mudou isso completamente. Ele não quebrou de imediato, mas plantou a semente. É por isso que hoje eu sou fã dela: quantas pessoas, com palavras, conseguem mudar conceitos tão arraigados na nossa mente?

Dali em diante, calei minha boca em relação à muitas besteiras que eu dizia. E passei a ser muito, muito mais militante. Nem tanto em relação ao feminismo, mas eu relacionava machismo com homofobia e com total repulsa ao machismo, passei a defender fervorosamente os gays. A defesa era tão veemente que eu creio, na minha antiga escola, que despertava até suspeitas de que eu fosse lésbica (o que seria muito engraçado, mas enfim). A defesa veemente em favor das mulheres veio mais tarde. Por causa de Christina Aguilera e Madonna.

Eu não aceitava quando as pessoas diziam que Madonna estava velha. Que ela era uma múmia, que não fazia música boa, que estava feia, gasta e quem vive de passado é museu. Como assim? Michael Jackson tinha praticamente a mesma idade e ninguém criticava ele por fazer música. Ele estava praticamente uma caveira com todos os problemas que passou na vida, mas ninguém falava mal dele (só da pedofilia, mas isso é outro assunto). E Rolling Stones? Eles continuam lá tocando, cantando, mas quem se atreve a falar mal deles? Mas todos adoram falar de Madonna. Que está velha, gasta, feia, que não presta para dançar, está sem graça, o escambau. E o mesmo veneno corria com Christina Aguilera: que ela era puta, vadia, vagabunda, vulgar. E com Britney, em seus tempos terríveis, tudo foi uma desgraça: ela era drogada, careca, bêbada e estava tendo problemas judiciais. O que eu estava reparando é que as pessoas falavam demais das cantoras. Mas pouco dos cantores. Ninguém se incomoda com homens que queiram cantar até os 80. Mas quando é uma mulher, vestida com shorts e minissaia, namorando um cara com a metade da idade dela, todos se incomodam.

E foi aí que passei a ter consciência do feminismo que eu tinha. Porque eu percebi que se eu queria defender o que eu considerava minhas divas, eu tinha que ter argumentos. E eu encontrei argumentos no feminismo que serviram não só para isso, mas também para tudo que eu fizesse na vida. Nesse ponto entrou o blog EscrevaLolaEscreva e juro que não é porque estou puxando o saco, mas realmente mudou alguns conceitos e fortaleceu outros. É simplesmente porque tinha coisas que eu nunca tinha parado para pensar como cavalheirismo e aborto. Mudei várias idéias minhas novamente, adaptei-as à minha realidade e me tornei uma defensora de mulheres. Acabei indo além do feminismo: passei a defender mulheres. Eu sou totalmente parcial nessa questão: eu sempre vou defender mulheres. Em qualquer caso, sempre vou defendê-las. Eu defendo todas as "putas" que a sociedade abomina, defendo todas as donas-de-casa que querem reconhecimento, defendo todas as moças que querem trabalhar e não casar, defendo as que não querem ter filhos e defendo as que querem ter muitos filhinhos. Defendo as doutoras, professoras e eu, pessoalmente, encaro cada pequena vitória como pessoal. E eu tento passar isso para minha prima. Apesar de ela crescer na moda, nesse meio que eu acho que estão sexualizando demais a criança com sapatinhos de salto e coisas do tipo, eu tento passar o meu feminismo para ela. E eu fico feliz que dá resultado. Eu fico feliz ver que tem pessoas que mudaram seus conceitos sobre Christina Aguilera quando eu passei a apontar a hipocrisia da sociedade que mal repara na voz dela, e na mensagem que ela passa, e sim nas roupas que ela usa. E eu fico feliz de perceber que o feminismo é a corrente que encontrei para minha vida, mais forte do que qualquer outra. Porque o feminismo defende a igualdade entre gêneros, e eu tenho o sonho de ver o dia que as mulheres não recebam mais a culpa por serem estupradas.

Mas às vezes sempre me pergunto se vai adiantar. Só que eu tenho que acreditar que vai adiantar, que toda a nossa luta irá em frente. Por que se as feministas não defenderem e apoiarem a mulher, quem vai ajudá-las?



Post feito aos 46:00 do segundo tempo para o concurso A Origem do Meu Feminismo, do blog Escreva, Lola, Escreva. Fiz às pressas porque passei esses dias envolvida com uma prova, com a Olímpiada de História e com a letargia mental que me fazia adiar tudo que tinha que fazer, como postar no blog! Espero que me entendam...

6 comentários:

Fernanda disse...

Oi Luna. Queria te agradecer pelo seu comentário no meu blog "O grito de Fernanda". Só hoje que vi seu comentário sobre o meu texto a respeito das origens do meu feminismo (pro concurso do blog da Lola). Ainda sou meio inexperiente com essas ferramentas de blog e não sabia como ser notificada dos comentários ou como mandar um comentário de volta. Aí decidi entrar no seu blog e achei o seu Email.

Muito obrigada de coração...Dei uma sumidinha na última semana pois estava viajando, mas espero que você curta os outros posts que escreverei no futuro. Tem um novo hoje lá...

Gostei muito do seu blog...Vou segui-lo :-)


Um beijo de Londres...

Fernanda

lola aronovich disse...

Luna, querida, fico muito feliz que meu humilde bloguinho tenha te ajudado de alguma forma. Vcs leitoras tb me ajudam demais, pq é graças a vcs que eu coloco as ideias num texto de um jeito minimamente compreensível. Eu também tenho crescido muito como feminista desde que comecei o blog. Sei bem que não escreveria se não fosse por vcs, pelo feedback que recebo, pelos comentários. Aprendo muito mesmo com vcs.
Muito interessante a sua narrativa. Poucas blogueiras no concurso falaram nisso, de como algum produto pop (filme, TV, música) pode servir de faísca pra gente começar a questionar o sistema. Geralmente esses produtos culturais servem pra nos atar ao sistema. Que bom que contigo aconteceu o oposto. E viva Aguillera! Viva Madonna!

Patrícia K disse...

Eu me lembro que, quando eu era pequena, nunca entendi pq não existia senhorito. Eu gostava de desenhar roupas, e sempre que eu desenhava algo para um menino eu colocava "Para o senhorito Fulano de Tal".
Mas, ao mesmo tempo que eu não entendia pq não tinha senhorito, eu achava que feministas eram mulheres solteironas, mal amadas. Na minha rua tem um trio de irmãs, nenhuma das três é ou foi casada. Daí, uma vez eu perguntei para ela: "elas são feministas, é, mãe?". Se fosse uma mulher preconceituosa, poderia ter respondido sim, mas ainda bem que minha mãe não é assim e disse que não, não era pq elas não eram casadas que elas necessariamente eram feministas e nem toda feminista é mal amada. Diga se minha mãe não é um anjo! Hahahahaha, muito do que sou devo à ela. Ela não é daquelas mães que obrigam as filhas a fazerem balé (fazia pq gostava, achava bonitinho, e quando não quis mais eu parei e ela foi a primeira a me dar apoio) nem daquelas que fica torrando a paciência pra tornar a filha vaidosa.
-
Luna, quando eu tinha 11 ou 12 anos também era dessas que achava a mulher só precisava de direitos iguais na Constituição e não de direitos sexuais.
Eu tb era contra o aborto e já cheguei ao extremo de postar aquela "Carta de um bebê" em um debate. Logo eu, que tenho vontade de dar um tapa na cara de quem cita aquela carta! Hahahahahha como as coisas mudam.
-
Can't Hold Us Down... Can't Hold Us Down é hino, ora essa!
Christina é a melhor cantora pop da atualidade (e não é pq eu sou fã de carteirinha dela, hein).
Passei um momento de transição da vida ouvindo as músicas dela.. Acho que isso tem muita influência no que eu sou hoje.
-
Amanhã sai o resultado da quarta fase da Olimpíada de História. Tô anciosa! Já pensou se nossas equipes passam para a fase presencial e a gente se conhece na Unicamp, que foda não ia ser? sonhay/ Hahahahaha <3

Marcelle disse...

Adoreeeeeeeei o texto!É bem profundo como aquela frase ficou na sua cabeça e fez vc mudar um monte de pensamentos.Não conhecia a música mas adorei e concordo com tudo o que ela diz.Espero que ganhe a segunda etapa to torcendo por você!Na primeira eu só li Como um machista me tornou feminista e adorei,vou ler os outros pra poder votar.Bjs e se der visita meu blog!

Nathália. disse...

Legal! É, eu tinha a mesma idéia que você... "como não ser feminista? é tão óbvio, né?" Não, não é. E bem verdade que a minha parte idealista revolucionária ainda acha que é impossível alguém não ser feminista, que eu devo viver num programa de tv e não sei, e que todas as pessoas do mundo estão me assistindo e rindo, dizendo "olha, ela tá quase acreditando que o Feminismo não é unanimidade. Acho que vou ganhar a aposta"...
É, acontece.
P.s.: O CONCURSO DA LOLA fez com que meu lado idealista louco surtasse. Porque, vendo tantos posts bons... como pode o mundo não ser feminista?!

Coral Fortunato disse...

É, Luna...
Eu concordo com você sobre o preconceito com as mulheres e sobre os mesmos direitos sexuais serem preservados...afinal, porque as mulherem nunca podem dar na primeira noite?
São sempre taxadas de piranhas, porque as meninas devem se preservar, como se fosse apenas delas as responsabilidades de toda a relação, que na verdade é entre HOMENS e MULHERES.
Porém, mais que o feminismo, o que sempre chamou a minha atenção foi o ANTI-SEXISMO. Não defendo sempre as mulheres, tãopouco defendo sempre os homens. Acredito que a real divisão de direitos iguais também proporciona deveres iguais. Mulheres não são santas, acima do bem e do mal... Elas também erram, traem, agem com sordidez, mesquinharia, passam a perna, sacaneiam... E nem sempre isso é feito contra alguém que fez algo de terrível com elas. A frase "mulher não trai, mulher se vinga" também é extremamente preconceituosa, afinal, não são só as mulheres que são vítimas de preconceito.
Acho que vivemos em uma sociedade extremamente machista, e concordo totalmente que devemos lutar contra isso...mas acho também que boa parte das feministas, apesar de gritar "DIREITOS IGUAIS" (em todos os sentdos), acabam por defender uma sociedade desigual em favor das mulheres. Afinal, machismo que dizer homens no poder, mulheres submissas, e feminismo não poderia querer dizer outra coisa que não o total oposto!