Aquelas casas eram lindas.
Havia uma que lembrava uma mansão vitoriana. Diz-se que as telhas são importadas. E era absolutamente fantástica, linda, maravilhosa. As ruas eram limpas, e havia verde, muito verde. E aquela que parecia ser uma casa de praia, com um jardim enorme, com brinquedos e tudo o mais? As casas estavam uma atrás da outra, todas grandes, espaçosas, confortáveis, lindas, dignas de uma novela da Globo. Qualquer pessoa ali ficaria simplesmente pasmo com tanta riqueza e beleza. Porém quase todas as casas tinham muro e poucas eram exceção, sendo uma dessas a mais linda: com flores, as portas de vidro, a cor marfim, a casa transpírava elegância. Todas essas casas estavam dentro de um condomínio murado com porteiro e cerca elétrica. Você tinha que se justificar diante do porteiro, respondendo para quê entrar naquele pequeno paraíso.
Aquele condomínio foi construído quando a cidade estava no apogeu do café, para abrigar a burguesia local. Para separar os ricos dos pobres. E a coisa mais absurda é visitar isso depois de passar por bairros pobres, com casas pequenas, doadas pela Prefeitura que lutou para conseguir comprar aqueles terrenos - porque os herdeiros não queriam que o terreno fosse vendido para ser feito casas populares. Se fosse para ser feito um Greenville da vida, venderiam numa boa como já fizeram. Mas não, foi para pessoas carentes que mal tinham o que comer. Você andar pela cidade, visitar lugares que mal tem saneamento básico e logo em seguida visitar um condomínio com essas casas tão luxuosas, com tudo isso... é um choque.
Foi um choque e eu não consigo deixar de pensar nisso. É uma coisa que me incomoda. Como permitimos viver em uma sociedade que haja tanta desigualdade? Como aceitamos essa situação bizarra? Como aceitamos essa disparidade? Como eu posso me sentir bem olhando a chuva sabendo que há pessoas cujas casas são alagadas por toda essa água, porque não tem infra-estrutura alguma? Eu sabia da desigualdade social. Eu sabia que tinha algo de errado em ter um menininho que chega no ônibus pedindo dinheiro. Sabia que tinha algo de errado se temos miseráveis, se temos violência, se temos todas essas coisas. Eu já sabia disso. Mas acho que até hoje, até ver todas aquelas diferenças, eu nunca tinha realmente percebido, sabe? O quão bem uma pessoa podia viver em comparação com outra. Eu sou rica em comparação com muitas pessoas. Eu tenho internet, TV, roupas, escola, teto pra me proteger. Eu sou uma pessoa privilegiada e nunca fiz nada para merecer isso. Mas sabe, é difícil as pessoas entenderem isso. É difícil entender que tantas pessoas tem tão pouco. E é difícil entender que poucas pessoas tem tanto, sabe?
Eu nunca sentira essa diferença.
Quer dizer, eu sabia. E já tinha sentido quando eu era mais nova e me incomodava profundamente que eu não pudesse fazer uma festa de arromba como as minhas coleguinhas. Mas, assim, aprendi a andar com pessoas com a mesma condição social que eu e estava tudo bem. Nenhum problema. Ricos nunca me incomodaram profundamente, e já senti inveja sim, mas nunca foi algo tão cortante quanto hoje. Porque foi tudo isso: foi inveja, deslumbramento, repulsa, revolta, choque. Não sei o que mais me afrontou: se foram as casas lindas do condomínio ou se foi ver a rua que divide as casas populares do Greenville. Porque de um lado são as casas populares e elas não são as coisinhas lindinhas que aparecem em filmes. São pequenas, muitas sequer são pintadas, com murinhos de tijolo, e até chão de terra. São fileiras e fileiras de casas nesse estilo, até perder de vista. São centenas de pessoas vivendo em condições desanimadoras. E do outro lado da rua, o condomínio murado, com cerca elétrica e mal podemos enxergar as casas dentro. O muro é a divisão. É como fosse uma afronta às pessoas carentes que moram ali: nós nos protegemos de vocês, nós não queremos falar com vocês, nós ficaremos aqui ao seu lado, mas não pegaremos ônibus com você. E as pessoas carentes só fazem jogar o lixo junto ao muro, onde há várias flores. Seria somente por falta de educação? Não há muito lixo nas calçadas dos pobres, devo dizer. Mas há lixo junto ao muro dos ricos.
Como eu devo enxergar isso? Por que eu ainda estou meio perdida. Eu sempre fico desde jeito quando me confronto com os absurdos da sociedade. Sempre fico ainda mais chocada quando escuto pessoas falarem 'sustentarem vagabundos' quando se referem aos pobres. Como as pessoas podem reagir com tanto egoísmo, com tanto ego quando se deparam que, sim, elas são privilegiadas? Elas agem como se todos tivessem as mesmas oportunidades na vida e isso não é verdade. Como uma pessoa que não tem estímulo algum de ninguém pode disputar com alguém que recebe tudo na mão? Essas pessoas não podem parar um ano da vida delas para estudarem e recuperarem o atraso e assim irem para a universidade. Elas não podem simplesmente se mudarem de casa, porque quem vai sustentá-las? Como elas vão estudar em uma universidade que exija tempo integral? Qual vai ser o custo disso? Muitas pessoas pensam que vale a pena sempre, que qualquer sacrifício é válido. Mas essas pessoas nunca tiveram que optar entre estudar e trabalhar e sempre vão ter pais para ajudar e apoiar. Às vezes eu gosto de À Procura da Felicidade, mas o quão aquilo pode se aplicar a qualquer um?
É muito fácil falar que pobre tem que se virar e competir, que persistência é tudo, que o que vale é correr atrás. Muito fácil falar disso quando se tem comida na mesa e nenhum perigo de receber uma ação de despejo. Realmente é fácil achar qualquer coisa.
Havia uma que lembrava uma mansão vitoriana. Diz-se que as telhas são importadas. E era absolutamente fantástica, linda, maravilhosa. As ruas eram limpas, e havia verde, muito verde. E aquela que parecia ser uma casa de praia, com um jardim enorme, com brinquedos e tudo o mais? As casas estavam uma atrás da outra, todas grandes, espaçosas, confortáveis, lindas, dignas de uma novela da Globo. Qualquer pessoa ali ficaria simplesmente pasmo com tanta riqueza e beleza. Porém quase todas as casas tinham muro e poucas eram exceção, sendo uma dessas a mais linda: com flores, as portas de vidro, a cor marfim, a casa transpírava elegância. Todas essas casas estavam dentro de um condomínio murado com porteiro e cerca elétrica. Você tinha que se justificar diante do porteiro, respondendo para quê entrar naquele pequeno paraíso.
Aquele condomínio foi construído quando a cidade estava no apogeu do café, para abrigar a burguesia local. Para separar os ricos dos pobres. E a coisa mais absurda é visitar isso depois de passar por bairros pobres, com casas pequenas, doadas pela Prefeitura que lutou para conseguir comprar aqueles terrenos - porque os herdeiros não queriam que o terreno fosse vendido para ser feito casas populares. Se fosse para ser feito um Greenville da vida, venderiam numa boa como já fizeram. Mas não, foi para pessoas carentes que mal tinham o que comer. Você andar pela cidade, visitar lugares que mal tem saneamento básico e logo em seguida visitar um condomínio com essas casas tão luxuosas, com tudo isso... é um choque.
Foi um choque e eu não consigo deixar de pensar nisso. É uma coisa que me incomoda. Como permitimos viver em uma sociedade que haja tanta desigualdade? Como aceitamos essa situação bizarra? Como aceitamos essa disparidade? Como eu posso me sentir bem olhando a chuva sabendo que há pessoas cujas casas são alagadas por toda essa água, porque não tem infra-estrutura alguma? Eu sabia da desigualdade social. Eu sabia que tinha algo de errado em ter um menininho que chega no ônibus pedindo dinheiro. Sabia que tinha algo de errado se temos miseráveis, se temos violência, se temos todas essas coisas. Eu já sabia disso. Mas acho que até hoje, até ver todas aquelas diferenças, eu nunca tinha realmente percebido, sabe? O quão bem uma pessoa podia viver em comparação com outra. Eu sou rica em comparação com muitas pessoas. Eu tenho internet, TV, roupas, escola, teto pra me proteger. Eu sou uma pessoa privilegiada e nunca fiz nada para merecer isso. Mas sabe, é difícil as pessoas entenderem isso. É difícil entender que tantas pessoas tem tão pouco. E é difícil entender que poucas pessoas tem tanto, sabe?
Eu nunca sentira essa diferença.
Quer dizer, eu sabia. E já tinha sentido quando eu era mais nova e me incomodava profundamente que eu não pudesse fazer uma festa de arromba como as minhas coleguinhas. Mas, assim, aprendi a andar com pessoas com a mesma condição social que eu e estava tudo bem. Nenhum problema. Ricos nunca me incomodaram profundamente, e já senti inveja sim, mas nunca foi algo tão cortante quanto hoje. Porque foi tudo isso: foi inveja, deslumbramento, repulsa, revolta, choque. Não sei o que mais me afrontou: se foram as casas lindas do condomínio ou se foi ver a rua que divide as casas populares do Greenville. Porque de um lado são as casas populares e elas não são as coisinhas lindinhas que aparecem em filmes. São pequenas, muitas sequer são pintadas, com murinhos de tijolo, e até chão de terra. São fileiras e fileiras de casas nesse estilo, até perder de vista. São centenas de pessoas vivendo em condições desanimadoras. E do outro lado da rua, o condomínio murado, com cerca elétrica e mal podemos enxergar as casas dentro. O muro é a divisão. É como fosse uma afronta às pessoas carentes que moram ali: nós nos protegemos de vocês, nós não queremos falar com vocês, nós ficaremos aqui ao seu lado, mas não pegaremos ônibus com você. E as pessoas carentes só fazem jogar o lixo junto ao muro, onde há várias flores. Seria somente por falta de educação? Não há muito lixo nas calçadas dos pobres, devo dizer. Mas há lixo junto ao muro dos ricos.
Como eu devo enxergar isso? Por que eu ainda estou meio perdida. Eu sempre fico desde jeito quando me confronto com os absurdos da sociedade. Sempre fico ainda mais chocada quando escuto pessoas falarem 'sustentarem vagabundos' quando se referem aos pobres. Como as pessoas podem reagir com tanto egoísmo, com tanto ego quando se deparam que, sim, elas são privilegiadas? Elas agem como se todos tivessem as mesmas oportunidades na vida e isso não é verdade. Como uma pessoa que não tem estímulo algum de ninguém pode disputar com alguém que recebe tudo na mão? Essas pessoas não podem parar um ano da vida delas para estudarem e recuperarem o atraso e assim irem para a universidade. Elas não podem simplesmente se mudarem de casa, porque quem vai sustentá-las? Como elas vão estudar em uma universidade que exija tempo integral? Qual vai ser o custo disso? Muitas pessoas pensam que vale a pena sempre, que qualquer sacrifício é válido. Mas essas pessoas nunca tiveram que optar entre estudar e trabalhar e sempre vão ter pais para ajudar e apoiar. Às vezes eu gosto de À Procura da Felicidade, mas o quão aquilo pode se aplicar a qualquer um?
É muito fácil falar que pobre tem que se virar e competir, que persistência é tudo, que o que vale é correr atrás. Muito fácil falar disso quando se tem comida na mesa e nenhum perigo de receber uma ação de despejo. Realmente é fácil achar qualquer coisa.
Não, sem imagens. As únicas imagens que transmitiriam o que quero passar são as fotos tiradas hoje e eu não as tenho no momento.
2 comentários:
dizem que cada um tem o que merece, mas... sei lá né :(
e o que houve com a sua veia capitalista, luna? q
mas concordo, e eu penso também nas criancinhas que moram embaixo do viaduto e quando chove fica todo zoado... ninguém dá valor ao que tem
beijos querida
Os pobres atravessam os muros apenas para limpar a sujeira dos ricos em troca de um misero salario. :/
Thais, como assim cada um tem o que merece, vc ta brincando, né?
Postar um comentário