sexta-feira, 23 de abril de 2010

cortando cenas

Em 1971, um cineasta fez um filme no Brasil. E o filme foi analisado pelos nossos censores que viam a tal obra produzida e cortavam cenas aqui e acolá, porque tais cenas eram imorais no cenário da ditadura militar brasileira. No caso do filme, os censores afirmaram que tinha que cortar 33 cenas. Ele cortou. Mas não fez outras, mais "morais" para consertar. Resultado? O filme chegou ao cinema sem as cenas. Cortado. Sem sentido.

Esse é um dos milhares de casos que se referem à uma palavra simples: censura. O que é censura? O Aurélio me diz que é "um exame crítico de obras literárias" e me pede pra ver o verbete "repreensão" que diz é "o ato ou efeito de repreender; censura, pregação, reprimenda, reprovação, pito". Basicamente a censura é aquilo que controla, fiscaliza, coibe as obras literárias, musicais, cinematográficas por motivos diversos, mas todos eles são disfarçados com um só: a moral. Os valores morais foram e são a desculpa ideal para os políticos, a Igreja e países proibirem diversos tipos de obras. Foi a moral que cortou 33 cenas do filme lá de cima (Como Era Gostoso o Meu Francês). Foi a moral que criou a lista denominada Index Librorum Prohibitorum que contém mais de quatro mil livros proibidos para católicos, criada em 1559 e abolida em 1966. Foi a moral que fez Hollywood criar o código de Hays que tinha, entre suas normas, a proibição de amor entre negros e brancos. A moral fez escolas cristãs proibirem a série de livro Harry Potter sob alegação de ser uma obra satanista e, portanto, não digna de ser lida.

Mas a moral é um conceito complexo. A censura não. A moral é simplesmente um conjunto de normas que temos dentro de uma sociedade, normas que determinam a nossa relação com a religião, comportamento, política, família, etc. E essas normas mudam o tempo todo, são questionadas sem parar. Quando a lei do divórcio foi aprovada, em 1977, foi vista como a queda da família, uma atitude que ia contra a dignidade da pessoa. Hoje o divórcio é visto com naturalidade, visto pessoas que se casam pela segunda, terceira vez. Na Guerra Fria, todo o conteúdo socialista era completamente censurado, pois dizia-se que era imoral, indigno. Rambo passava na TV para ensinar às crianças que o inimigo era do lado vermelho. E no dia seguinte ao AI-5, o Jornal do Brasil burlou a censura, afirmando que o dia anterior tinha sido O Dia dos Cegos logo acima da manchete falando sobre o novo ato, o pior de todos, o que tornou a ditadura mais braba que pimenta arriba saia. E a China hackeou e-mails de ativistas que pertenciam ao Google, o que fez com que a empresa recuasse e se retirasse da terra do dragão. Mas o que os jornais não falam que tal invasão só foi possível graças a uma brecha na segurança do Google que existe devido à exigência do governo americano. Tire suas conclusões a respeito disso.

A censura não é de todo ruim, vale lembrar. Muitos países proíbem a divulgação de pedofilia, veiculação de estupros, zoofilia e outras parafilias altamente prejudiciais ao ser humano, assim como proíbe conteúdo nazista, preconceituoso, fundamentalista religioso e/ou político. A censura é uma forma de proibir os exageros, tudo que for prejudicial, danoso. É como cortar ervas daninhas. Porém, apesar de ser simples, o que reveste ela - a famosa moral! - é complicado. Até que ponto está tudo bem? Uma página veiculando conteúdo declaradamente racista deve ser censurada? Ou seria uma infração à liberdade de expressão, tão valorizada? O que temos, hoje em dia, que não tem um filtro antes? Blogs? Mas mesmo blogs passam pela prévia censura de seus autores, porque eles sabem que se quiserem ter alguma popularidade positiva, não podem simplesmente dizer tudo o que pensam, de forma grosseira. E sim tratar com tato, cuidado, eufemismos, e se possível, nem falar. A PCL-122 é uma forma de censura? Ao criminalizar a homofobia, ela está censurando os pastores porque eles são radicalmente contra a homossexualidade? E se for assim, porque eles tem direito a pregarem algo que diz-se que é "moral"? Que moral é essa?

Quem assiste aos filmes e determina a classificação indicativa? Você acha que ela é adequada? Porque a Globo nunca passou beijo gay em uma novela sua? Um beijo gay de verdade na novela das oito, mas passa violência na Sessão da Tarde! Você acha que o governo proíbe? Engano seu, o Ministério Público já acabou com isso e afirma que beijo gay pode ser transmitido até em Malhação, se quiser. Mas a Globo pensa no seu público conservador que ainda afirma que homossexuais são prosmícuos e imorais. Ela se censura, para não ofender esse público que assiste a TV sem muitos questionamentos. Jornais selecionam notícias e as contam do jeito conveniente a quem paga o salário de quem está aí. O tom dado pela matéria sobre Chico Xavier na revista Superinteressante não foi por acaso. E a censura na sua forma bruta, violenta e agressiva ainda existe: chineses não podem pesquisar por "massacre na praça da Paz Celestial", cubanos que falam da realidade sofrem reprimendas e existe uma lista de países inimigos da internet, países que proíbem blogs de conteúdo contrário ao que o governo prega.

O maior perigo é quando as pessoas dizem o que devemos pensar. Mais perigoso ainda é quando a iniciativa parte do governo e ele determina o que devemos ler, consumir, assistir e ouvir. Se ele não proibir nada, menos pior: cada jornal será manipulado de uma maneira diferente, e a diversidade de opiniões será benéfica. O governo nos censuraria completamente se só pudessémos ver uma única emissora de TV. Mas temos Globo, Record, Bandeirantes e SBT, além da liberdade (caso tenhamos dinheiro) de pagar uma Sky da vida. Não há só a Veja, há a Época, Istoé e Carta Capital. Existe manipulação, mas Brasil, apesar de ser um país com uma forte tendência de querer controlar tudo e todos, é um país livre. E devemos lutar para que essa liberdade seja mantida: a voz do povo não é a voz de Deus, e nunca deve ser calada. A censura impede o debate, e só se contrói um país decente com debates. Que haja classificações etárias nos filmes. Mas que nunca haja cortes nesses filmes por motivos obviamente censuráveis.




Fiz isso nas coxas, depois de uma semana completamente atrapalhada, com tempo, sem tempo, enfim, uma zona. Mas pretendo me organizar. Imagens é tudo Google. Só a imagem da mulher nua que peguei de outro blog, o Síndrome de Estocolmo, da escritora Patricia Highsmit que escreveu O Talentoso Ripley. Nunca li nada dela, acho, mas achei a foto bonita.

Enfim tá malfeito. Não uma beleza. Mas eu queria concorrer de qualquer jeito '-'

A propósito, o jornal é de 14/12/1964. Você pode ler 'Ontem foi o Dia dos Cegos' na parte superior (obviamente clicando na imagem para torná-la maior). Mas não dá pra ler o outro canto que li num livro que está escrito "Nuvens escuras. Temperatura sufocante".

E, ah, sim: fiquei tããão feliz com o Destaque Março! E parabéns à Umrae e Laís, fazem por merecer as indicações :D
Agora como se pega o selinho? :~

4 comentários:

Umrae disse...

O Google liberou novamente os serviços na China, sem qualquer espécie de bloqueio (redirecionaram tudo para os servidores de Hong Kong). Embora é claro que isso tenha um caráter de provocação.
E os Estados Unidos, que se dizem muito liberais, discutem a possibilidade de censura da internet (digamos assim, uma que não seja tão bem escondida da população como o que já ocorre, para ficar bem claro).
Bjos

Umrae disse...

É provável que eu tenha confundido com a outra demônio da estória então, depois vou reler para ver se eu acho.
A Noelle Neumman é fantástica! O que é legal é que eu presenciei muitos exemplos na vida de que essa teoria é válida e atinge uma parcela bem significativa das pessoas, e depois, quando a aprendi, consegui entender por que. É uma porcentagem bem pequena a das pessoas que não temem o isolamento opinativo (vulgo, que gostam de "causar", tipo a gente), por isso acho que a grande vantagem da internet é justamente que ela permite a qualquer um ver que ele não está sozinho no mundo, ou seja, ela dá mais coragem a quem tem receio de se expressar.
Bjo

Umrae disse...

Ah, e no lance do Harry Potter, a acusação não era à autora, pois a personalidade dos dois é diferente, e sim à desenhista (pode não ser plágio, mas que há algumas imagens do Tim Hunter que parecem ter inspirado até as roupas do Harry, há). Não era uma questão de acusações de violação de direitos autorais, mas sim à idéia da "absoluta originalidade" da obra. Porque, na prática, foi como pegar um monte de coisas que já existiam, colocar no liquidificador e no fim dar um toque pessoal, que é o que acontece com a maioria das estórias de fantasia, e não há nada tão errado nisso. Não entendo essa birra que fãs das sagas pop têm em reconhecer isso.
Bjos

Umrae disse...

Que selinho é esse?

Parabéns pelo segundo lugar desta semana!